MISSING: MALU BAILO, A STRIPPER PERFORMÁTICA QUE PROVOCOU VERDADEIRO FUROR NOS ANOS 80, E DESDE ENTÃO SUMIU DO MAPA
Convidada
a participar de uma exposição erótica coletiva em setembro de 1993, a artista
plástica paulistana Maria Clara Fernandes teve a ideia de reproduzir na vitrine
da galeria a lendária capa do disco do grupo inglês Blind Faith, na qual uma
garota nua segura um avião em forma de falo. Produzida em 1968 pelo fotógrafo
Bob Seidemann, a capa se tornou icônica pela controvérsia que causou. Maria
Clara e seu parceiro de sala na exposição, o artista Edi Cavalcanti, acharam
pouco usar a imagem como chamariz. Os dois queriam algo que desconcertasse o
público de modernos que frequentava os vernissages de SP nos anos 1990.
Calhou
de um primo de Maria Clara apresentar a ela uma moça que atuava em uma peça
pornô no centro de São Paulo. Ideia! Por que não contratá-la para entrar nua na
galeria, no auge da noite, conduzindo um aviãozinho como o da capa do disco?
"Foi um sucesso incrível", lembra Maria Clara. "Saiu em todos os
jornais e durante muito tempo só se falou naquilo!" A moça desnuda atendia
pelo nome de Malu Bailo, e a performance do aviãozinho foi só o começo de uma
curta porém bem-sucedida carreira de stripper de luxo. A partir da exposição,
passaram a chamá-la para fazer entradas em bares da moda, e algum tempo depois
ela era a estrela de um show que a alçou ao posto de cult na cidade. Malu, ela
mesma, virou figurinha fácil nas colunas sociais. Embora o show tenha estado em
cartaz em vários lugares, inclusive fora de São Paulo, ela estourou mesmo em um
restaurante de comidas afrodisíacas chamado Helena, no Itaim Bibi, zona oeste
de São Paulo.
"Depois
da performance com o aviãozinho, fui chamada por outra artista plástica, a
Patrícia Magano, para fazer a abertura da exposição dela no Helena. Deu tanta repercussão que o pessoal do
próprio restaurante me contratou para fazer o show de 15 em 15 dias",
conta Malu, que tinha então 24 anos. Diante da enorme demanda por shows, ela
resolveu chamar o tal primo de Maria Clara, Renato Fernandes, que fazia
produção de casting publicitário, para dirigi-la. "Eu tinha dado meu
cartão a Malu quando fui assistir ao espetáculo pornô, e ela me procurou
depois", conta Renato, hoje com 54 anos. Ele lembra que achou o striptease
no Helena "vulgar": "Ela usava bota de cano longo até a coxa,
uma roupa de couro, encarnava uma figura 'leather' meio sadomasoquista. Não
tinha roteiro, era muito gratuito."
Na
primeira apresentação sob a direção de Renato, ainda no Helena, Malu usou um
vestido de noiva que ele tinha guardado de uma produção de moda. "Eu falei
com o pessoal do (salão) Jacques Janine, eles fizeram maquiagem, cabelo, ela
chegou ao bar produzidíssima. Depois, eu fui pirando. Disse: 'Quer saber? Da
próxima vez, você vai de Jackie Kennedy'. E da outra ela foi de Audrey Hepburn
(Bonequinha de Luxo), depois de Rita Hayworth (Gilda), o público delirava. Um
dia, ela chegou de Jaguar com motorista. Cada personagem era acompanhada de uma
trilha."
No
auge do sucesso, era tanta gente na porta do Helena que os vizinhos organizaram
um abaixo-assinado para pedir o fim do show. Àquela altura, o preço da entrada
e o do couvert artístico estavam nas alturas. "Eles cobravam R$ 50 na
porta e R$ 50 pelo show. Era bastante dinheiro", lembra Malu. O strip
durava 25 minutos. Ela descia a escada do restaurante, subia no balcão do bar e
tirava peça por peça — menos a calcinha.
"Isso a gente manteve até o fim, porque não se tratava de um espetáculo
erótico, mas sensual. Em compensação, para tirar o sutiã era uma novela. Ela
enrolava os 25 minutos", lembra Renato. O show era cultuado por pessoas de
ambos os sexos. Malu: "As mulheres me procuravam para perguntar como se
fazia para tirar a roupa, e andar com salto alto, sem ser vulgar. Elas queriam
repetir em casa para os maridos."
Em
meio a tanto apelo, era de se esperar que oferecessem fortunas por um programa
com a stripper. Renato Fernandes afirma que, para dirigir Malu, impôs como
condição que ela sequer aventasse a possibilidade de aceitar. "Nunca houve
putaria. Ela não era disso, e eu não toparia", diz. "Os convites
(para programas) nem chegavam a mim", lembra Malu. Renato não apenas a
dirigia, mas, com o tempo, passou a controlar tudo o que dizia respeito a ela.
"No Helena, eu filtrava as aproximações. Cortei aquela história de garçom
vir no camarim com recados dos frequentadores. E durante a apresentação, era
proibido tocar nela." Para dimensionar sua importância naquele contexto,
ele faz uma analogia com o diretor italiano Carlo Ponti, marido-tutor da atriz
Sophia Loren: "Eu criei a personagem, a dirigi no show e a treinei na
vida. Ela era tipo 'criatura'. A Malu nunca foi a um programa de TV sem
mim."
Nascida
em uma família grande no interior do Paraná, Malu Bailo foi criada em
Americana, cidade a 120 quilômetros de São Paulo, e logo que migrou para a
capital passou a fazer "teatro pornô" no centro da cidade. Tinha 17
anos. Em um programa de TV que explorava o submundo da madrugada, ela aparece
muito vulnerável no canto de um camarim apertado, tentando disfarçar com voz de
menina o desconforto daquela situação. O apresentador diz: "Se quiser
trocar a roupa, fica à vontade." Muito constrangida, ela se levanta e
coloca uma saia por cima da calcinha. Em comparação com o que viveu naquele
começo, Malu agora estava no céu. "Em 1995, meu cachê por show era R$ 8
mil (em valores atualizados, cerca de R$ 30 mil)!".
Um
dia, o colunista Amaury Jr. gravou uma matéria no Helena, e Malu estourou na
grande mídia. Foi convidada para ir ao programa de Hebe Camargo, ao de Jô
Soares e passou a sair com destaque em todas as publicações nacionais. "Eu
recebia convites para fazer show no Brasil todo", conta ela. "Um vez,
me chamaram para fazer no Acre, eu achei que não ia ter público suficiente.
Quando cheguei à casa noturna, havia três mil pessoas. O lugar era incrível. No
Recife, a mesma coisa", lembra.
Em 1997, mesmo ano em que Marisa Orth e Mylla Christie posaram para a revista "Playboy", Malu foi a capa de julho. Renato Fernandes negociou o cachê: "Fechei pelo dobro do que eles ofereceram a princípio. R$ 75 mil", lembra. Com o dinheiro, ela comprou uma casa. Na mesma ocasião, dividiu o palco com Raul Cortez e mais quatro atores no espetáculo "Cheque ou Mate": por 15 minutos em cena, com os seios de fora, ganhava o segundo maior cachê do elenco. Na TV Globo, fez a amante de Henrique (Edson Celulari), em "Torre de Babel".
Ao
contrário do que se poderia imaginar, Malu saía pouco, não gostava de badalo, e
assim sua vida afetiva era um enigma. Ela conta hoje que, a certa altura, os
homens deixaram de interessá-la. "Eles eram tão disponíveis, bastava
escolher um, qualquer um. Mas eu estava cansada de ouvir as mesmas bobagens.
Eles achavam que tinham de ter um pau de 5 metros para ir para cama com a
stripper. E quem disse que eu queria ir para cama com eles?" Malu tinha
uma pessoa. Uma mulher. Pouca gente sabia. O namoro até que durou, mas ela não
aguentou tanto controle. "Era muito ciúme, Deus me livre."
Durante
muitos anos, seu parceiro mais constante foi o executivo holandês Peter Van
Voorst, atualmente com 65 anos. Os dois mantiveram um relacionamento
intermitente, até que um dia decidiram se casar. Viveram juntos por 11 anos, e
então Voorst quis ser pai. Malu não queria ser mãe. Ele insistiu, ela se
aborreceu, os dois se separaram. "Quando vejo uma mulher grávida, eu fico
triste. O mundo não comporta mais tanta gente", acredita ela. "Outro
dia, uma conhecida veio me convidar para ir à festinha de aniversário das
filhas gêmeas dela, e disse que gastou R$ 30 mil. Eu falei que achava aquilo um
horror."
Malu
e Voorst são muito amigos até hoje. Ela dá a entrevista na casa que ele mantém
no alto de uma montanha às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, de onde
se tem uma vista deslumbrante de toda a zona sul da cidade. O holandês aparece,
oferece um café, uma bebida, se senta à mesa por um momento, ajuda Malu a se
lembrar de passagens de sua vida, e sai.
Para
Renato, o relacionamento com a "criatura" terminou depois de uma
apresentação em Taubaté (cidade a 130km de SP). "O show ficou muito
popular, não me interessava mais. Ela fez banheira do Gugu, e em Taubaté o
strip foi em cima de uma mesa de bilhar. Então, na volta da apresentação, a gente
na Dutra, eu dirigindo, uma chuva torrencial, a Malu e a Regina (Vaz,
coreógrafa do show) falando sem parar, ali eu vi que estava distante daquilo
tudo. O encanto tinha acabado."
Malu
também estava perto da saturação. A fama tornou-se uma acompanhante incômoda.
"Não entendo esse encanto dos artistas com os fãs. Pra mim, o cara que dá
autógrafo é tão idiota quando o que pede. Aliás, na maioria das vezes a pessoa
nem sabe porque está pedindo aquela assinatura." A pá de cal veio quando ela se mudou para o
Rio, na época do espetáculo com Raul Cortez. "É uma cidade tão linda, mas
o povo é tão superficial. Tudo é muito leve, muito engraçado, muito
natural." Ela conta de um aniversário de Milton Nascimento em que um grupo
de conhecidos a chamou para "fazer uma entrada" na festa. De graça.
"Eu tinha de aparecer bem gostosinha, sorrir pra todo mundo e tirar a
roupa. Assim é o Rio de Janeiro. Não existe muito limite. Aí, de repente, o
governador vira o chefe de uma organização criminosa milionária, e as pessoas
se espantam."
Juntando
o discurso duro com uma declarada preferência pelos animais e a escolha por uma
vida reclusa, alguém pode inferir que agora a bonequinha de luxo está mais para
Brigitte Bardot depois do exílio. Ela não se importa. Aos 51 anos, apesar de
manter o corpo naturalmente em forma, Malu não mostra nenhuma disposição para
eternizar o símbolo sexual. Embora
permaneça muito bonita, sua beleza está dissociada da imagem do passado. Reconhece que se tornou intolerante, mas vai
continuar a dizer o que pensa. "As pessoas hoje se orgulham de ser
idênticas umas das outras. O cabelo é igual, o sapato, o dente, a cara toda.
Até as coisas que elas dizem. Você já reparou?"
(por
Paulo Sampaio para o BLOG DO PAULO SAMPAIO, 03agosto2017)
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